"Bebida é água! / Comida é pasto! / Você tem sede de que? / Você tem fome de que?" - Titãs.
Outro dia eu ouvia Comida, clássico dos Titãs, e
não foi preciso mais do que a primeira estrofe da música para que eu começasse
a refletir:
“Bebida é água!
Comida é pasto!
Você tem sede de que?
Você tem fome de que?...”
A essa altura, me peguei totalmente absorto, absolutamente
pensativo sobre como seria a minha vida se não houvessem televisão, livros,
eletrodomésticos e eletroeletrônicos, em geral. A única conclusão é a de que pasto
e água são suficientes para estar vivo e eu pensando em muito mais do que o mais
do que fútil!
Basta ver seriados apocalípticos...
Em tempo, apesar da reflexão filosófica profunda,
dando por mim, é uma pergunta demasiado difícil de responder,
especialmente quando você a formula escrevendo um texto diretamente do seu
celular, enquanto ouve a sua música preferida por meio de um fone que está
conectado nele, também!
Há vinte anos ninguém tinha celular, como é
possível que ninguém viva sem ele nos dias atuais?
Mas você acredita que haja gente que viva sem nada?
Que coma pasto e beba água?
Lembre-se do Náufrago, com o Tom Hanks... Aquilo é
ser minimalista!
Para o bem da verdade, nascemos minimalistas e isso
é inegável. Só temos mesmo o choro, inicialmente. A beleza da vida consiste
justo nessa desnecessidade primitiva de coisas para sobrevivermos: Nus, obtendo
alimento direto do seio da mamãe, quando muito, bebendo água. É assim até que
adquiramos a noção de conforto e a ponhamos à frente da de necessidade, que é a
mais básica.
Não à toa, nos últimos tempos, grupos de
desavisados têm flertado cada vez mais com o resgate do conceito básico da
necessidade, confrontando-o com o desafio abissal de vivermos com o
estritamente necessário, distantes da ditadura imperialista do consumo sem
freios, conforme nossos ancestrais viveram ao longo de milhões de anos.
Hoje em dia, o minimalismo se afastou demasiadamente
do status de conceito e passou a ser muito mais do que simplesmente um estilo
de vida ou do que propriamente uma vertente artística. Se tornou algo grandioso
por sua própria acepção muitíssimo simples – paradoxo - e suplantou o campo
natural das teses, passando a integrar um conglomerado de ideias e tendências espalhadas
por todos os campos da vida social, uma filosofia e um ideal, com padrões extremamente
bem definidos e uma certa lógica e ética existenciais que beiram o insano, em
meio a tanta modernidade: pouco é muito e muito é quase nada.
Não te surpreende que o minimalismo ganhe força
justamente no auge da era do capital, momento mais enfraquecido das esquerdas
no mundo? Ou talvez, isso não seja a resistência se unificando?
Claro que a resposta a essa pergunta é muitíssimo
óbvia. Evidentemente, não se trata de nenhum movimento de resistência ao
capitalismo e à sua lógica imperativa de consumo, ainda mais por ser algo que não
é necessariamente articulado, muito embora, ainda que não sendo conciso, detenha
legiões importantes de adeptos no mundo.
A essa altura, chegamos ao Japão. País seguramente
com mais minimalistas no mundo. Nesse sentido, te convido a conhecer o trabalho
do fotógrafo da Agência Reuters, Thomas Peter em Less is Less (“Menos é Menos”), projeto no qual ele próprio foi a campo para registrar espaços da intimidade de alguns adeptos da cultura minimalista, muitos deles demonstrados ao longo desse texto..
Conceitualmente, em uma sociedade milenar, cujos
pilares econômicos estejam calcados firmemente na ideia de que sobreviver é
parte de um plano maior do que expandir, e em cuja essência social, dividir
quase sempre tenha sido uma necessidade moral muito influenciada pela cultura
Budista, na qual simplicidade, equilíbrio e harmonia são inspirações para nos
livrarmos dos bens desnecessários e termos uma vida mais pragmática e sem estresse, a
própria tendência natural dos indivíduos é a da acomodação ao estado básico de
sobrevivência.
Nunca é demais lembrar que o Japão desde sempre foi
um solo muito mal localizado geograficamente, em uma ilha sujeita a todas as
intempéries naturais do tempo, e cujo solo não tem qualquer riqueza, razão pela
qual a agricultura nunca lhes foi uma prioridade e a pecuária acabou mal
desenvolvida, o que os obrigou a buscar o mar como alternativa à fome e acabou
baseando, inevitavelmente, a sua culinária quase que na totalidade em frutos do
mar.
Conclusivamente, Esse conjunto de fatores
antropológicos muitíssimo peculiares, praticamente determinou o jeito de ser
desse povo, obrigando-os a se manterem primitivistas culturalmente. Mesmo
depois da Segunda-guerra, após a devastação e o agravamento da situação do solo
japonês, ainda diante de novos tempos, totalmente capitalistas e tecnológicos,
boa parte dos japoneses se manteve firme no propósito de viver com o
estritamente necessário.
Além do mais, enormes espaços vazios facilitam em
muito a evacuação quando da ocorrência de grandes terremotos, muito frequentes
no Japão, e diminuem sensivelmente o risco de ferimentos graves, outro fator
que leva mesmo aqueles que não são adeptos da cultura minimalista, a terem
menos artefatos em casa, na média, que a maioria dos outros habitantes dos países do
mundo.
Tudo isso sem falar que os japoneses dão muito
valor ao tempo. A ideia de perseguir obter posses não é natural e toma muito do
nosso tempo, se não pensando em ter coisas, trabalhando para tê-las. O
minimalismo é o veículo cultural com viés intimista que nos obriga a viver a
vida, já que nada sem conteúdo fará parte do nosso cotidiano para nos dissuadir
da percepção ampla do mundo.
Em estudos recentes da Universidade de Cambridge,
publicados em abril de 2015 na conceituada revista The Scientist, antropólogos
de várias regiões do mundo concluíram que os japoneses vivem em média com 35%
menos bens materiais que a maioria dos habitantes do planeta e têm em torno de
47% mais adeptos da cultura minimalista na sua amplitude. Em outro estudo, esses
mesmos pesquisadores relacionaram o Método de Arrumação Japonês chamado
KonMari, que visa a descartar tudo que for inútil, com o sucesso de grandes
empreendimentos multinacionais que o adotaram relativamente às administrações
convencionais, e chegaram à conclusão de que mais da metade dos negócios convencionais
não prosperaram por terem tentado se expandir sem terem a exata noção de seu
tamanho, enquanto que entre os que se valeram da KonMari, quase 90% obteve
crescimento significativo de receitas, mesmo entre os que não se expandiram.
Hoje a Konmari é uma realidade no mundo e a
filosofia administrativa japonesa é reconhecida como uma das mais eficientes,
senão a mais eficiente, do mundo.
Não é à toa que o Japão tem uma das maiores
economias do mundo, ainda que com tantos problemas severos nos seus domínios.
É que eles entenderam que bebida é água e comida é
pasto... e comercializam somente o que têm: conhecimento.
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