O desafio é: pergunte às pessoas
que você conhece como era o mundo antes das filas preferenciais. Elas não
saberão dizer. É algo que ficou tão íntimo da nossa cultura que ninguém é capaz
de lembrar com precisão como começou. Uma coisa é certa: seu avanço é notado com mais clareza a partir do momento em que a ideia de inclusão social
passou a ser difundida de forma massiva, em meados da década de 80, e parece ter
bastante da evolução natural dos tentáculos do estado do bem estar social, como
o conhecemos. De todo modo, faz muito sentido pensarmos que pessoas com algum
tipo de dificuldade, qualquer tipo de dificuldade real, possam gozar de
qualquer tipo de facilidade em filas de todas as espécies, desde que essas
filas sejam para atividades imprescindíveis ao dia a dia. Essa é a definição
sensata de preferência, a que adotamos no Brasil não passa de um paralelo
distorcido desta.
Naturalmente, para abrir uma boa
discussão, uma gama enorme de países pelo mundo afora não adota qualquer tipo
de preferência nas suas filas. De fato, se trata de um dado conclusivo que só
vem a demonstrar que estas facilidades sociais, por assim dizer, não são
imprescindíveis no dia a dia de nenhum povo. Não por acaso, esses países detêm
os maiores IDH’s (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo e taxas de
analfabetismo praticamente zeradas. É fácil depreender dessas estatísticas que
as leis que agem criando imperativos sociais são muito mais necessárias e fazem
muito mais sentido em lugares nos quais as pessoas não conseguem compreender o
sentido amplo de comunidade. Mesmo em
países com PIB’s menores, mas com razoável educação, caso de Portugal,
por exemplo, a ideia de precisar de leis para fazer cumprir gentilezas é amplamente refutada.
Para entendermos melhor, especificamente
quanto ao nosso país, estamos do lado dos que precisam de leis para fazer cumprir
coisas que dependem apenas do bom senso coletivo. E nesse caso, a questão
central repousa no fato de que mesmo com essas leis, o talentoso jeitinho
brasileiro, já tão profundamente arraigado na nossa triste anticultura, é um imperativo social superior às leis. É quase que uma maldição social herdada dos tempos coloniais, um instinto natural do brasileiro comum que é capaz
de sobrepujar as leis e criar subterfúgios diversos para a satisfação
unicamente individual. E que fique claro: nem se trata de ser contrário às
preferências. De outro modo: contrário, sim... mas, logicamente, aos
preferidos.
No Brasil, de cada dez pessoas
que entram em filas preferenciais, onze estão tentando aplicar algum tipo de
“golpe social”, que é como podemos chamar esse tipo de picaretagem sem
tipificação criminal ou balizamento ético. É extremamente comum mulheres
barrigudas se passarem por grávidas. E não se espante se perceber que há gente
sem qualquer deficiência, fingindo que não atentou para o fato de que aquela
era uma fila de preferentes, só para tentar filar um lugarzinho camarada. Tem
gente que é tão cara de pau que pega criança de seis anos no colo pra dizer que
é de colo. Ora, qualquer pessoa pode ser de colo, até o Arnold Schwarzenegger,
se o pai dele for o Terry Crews!
Evidentemente, a ideia de priorizar no sentido social não é de
todo ruim. Pessoas que têm problemas precisam mesmo de prioridade para sentar
em transportes públicos e para ir a bancos, por exemplo. Mas não seria muito
mais fácil se o mundo fosse dourado e as pessoas pudessem ver isso por elas
mesmas, cedendo seus lugares, quando necessário?
Outra coisa muito interessante:
preferência é para coisas imprescindíveis e não, para qualquer coisa cotidiana.
No Brasil existe preferência até para degustação de biscoito de maizena em supermercados. É tão
absurdo que isso vale para que pessoas tenham prioridade para comer em locais com
aglomeração, por exemplo. Ora, comida é uma opção e, por outro lado, a espera
para comer num Shopping não mata, só frustra. Por qual razão idiota que alguém
tem preferência para comer, a não ser que tenha nascido na Etiópia?
Definitivamente, não é esse o instituto
da prioridade que foi idealizado.
Prioridade é necessária para
pessoas com algum tipo de dificuldade motora ou limitação física, o que até inclui
grávidas, mas exclui idosos, porque considerando apenas a idade, há idosos com
mais saúde que muitos jovens. Gordos, a não ser que obesos mórbidos, não são
pessoas com deficiência. Crianças de colo são as que não andam, não as que não
querem andar ou as que os pais não querem que andem. Portanto, prioridade é para que pessoas com dificuldades claras
possam exercer a sua cidadania sem que sejam oprimidas por circunstâncias
sociais desfavoráveis à sua condição natural.
Objetivamente, não há como dizer
aqui que temos que repensar o modelo das prioridades, porque isso não
acontecerá. Talvez, uma solução possível e alcançável seja apenas educar melhor as pessoas, para que entendam que as filas já são justas por si só, e para que as
instituições passem a oferecer serviços melhores, visando menos ao lucro e mais
ao atendimento. São dois paralelos mais fáceis de vislumbrar do que
simplesmente alterar a lei, reduzindo as preferências.
Muita gente deve se revoltar com a expressão dessa opinião, mas se essa ideia fosse mesmo equivocada, a maior parte do mundo ofereceria filas preferenciais nos seus serviços básicos, o que não ocorre, sobremaneira. E veja, nem entramos na discussão de que as filas preferenciais são inúteis da forma como são organizadas aqui, porque normalmente se vê uma fila preferencial para uma normal, o que não oferece vantagem alguma para as pessoas que precisam de preferência real, já que a gama de preferidos no Brasil é enorme.
Agora, vamos pensar: Você prefere preferência de atendimento ou qualidade no atendimento? Não seria muito melhor que houvessem seis atendentes atendendo a uma única fila, do que dois, atendendo a uma fila normal e a uma preferencial?
A conclusão é lógica: Preferência existe para excluir, não para priorizar!
Até que enfim alguém fez uma crítica sensata a essa questão, o que eu vejo é um bando de moralistas querendo dar lições de moral sem discutir o real problema.
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